Senhora Presidente do PSD,
Dra. Manuela Ferreira Leite,
Senhor Presidente da Câmara do Porto,
Senhor Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte,
Senhor Presidente da Assembleia Municipal do Porto,
Senhores Deputados,
Senhores Vereadores,
Senhores autarcas da região,
Senhores dirigentes associativos,
Senhores associados,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Hoje foi dia da primeira das nossas assembleias-gerais anuais. É o momento em que a direcção apresenta as contas aos seus associados. Tivemos lucro e, mais do que isso, os melhores resultados de sempre. Corro, agora, o risco de ser chamado ao Parlamento, para explicar porque razão não foram feitos descontos aos turistas que nos vieram visitar… Sinal dos tempos em que vivemos, Senhora Doutora, em que sé é preso por ter cão ou por não o ter. Mas, essas são outras contas do rosário deste país de bolsa rota, palavra tola e cabeça perdida e acredito que os sócios preferem, ainda assim, que tenhamos lucro. Desta forma, não dependemos dos outros, o que nos permite sermos incomodamente livres.
Também lhe falo da assembleia-geral desta tarde porque se elegeu, por voto secreto, uma comissão de sócios que acompanhará, nas próximas semanas, o encerramento das contas, questionando e inquirindo para isso e em tudo que considere conveniente a direcção, o tesoureiro, o nosso director executivo, o nosso director financeiro e, naturalmente, o revisor oficial de contas. Depois desse escrutínio, apresentará um relatório circunstanciado à próxima Assembleia Geral Ordinária, e só depois disso será votado o Relatório de Actividades e as Contas. Sei bem que todos nós que aqui estamos hoje reunidos, conhecemos os pergaminhos desta casa, recordamos que ela foi inspirada por Ferreira Borges, e percebemos que a Associação Comercial do Porto tem, e sempre teve, um estatuto particular na cidade do Porto e, em certas ocasiões de particular gravidade, no país. Mas, apesar dessa responsabilidade histórica, que muito nos honra, conviremos que é extraordinário que uma instituição como esta, livre, privada e de moderado orçamento, tenha previsto nos seus estatutos que datam do século XIX, instrumentos de fiscalização que, pelo menos no plano formal, são mais exigentes do que os aqueles que escrutinam as modernas instituições que estão autorizadas e licenciadas para exercer, por exemplo, actividades bancárias.
Esse tema é, aliás, da maior importância. Porque temos um Estado que produz leis que ou são
incumpridas, ou caiem em desuso, que cria muitos regulamentos mas não regula, que tem muitos fiscais, mas não fiscaliza. Este é um Estado que não é de confiança porque não cumpre o que promete, não dá bons exemplos e, sendo muito zeloso na cobrança de impostos, não é de boas contas em questões de dinheiros.
Senhora Doutora Manuela Ferreira Leite,
Falemos então do estado do país.
Com a crise internacional, e à falta de uma explicação ou de uma luz ao fundo do túnel, têm vindo a ser desenterrados e recauchutados alguns velhos chavões. Também reapareceram alguns gurus que, há trinta e cinco anos, acreditaram que a
colectivização dos meios de produção era o caminho certo. Ao que parece, a sua douta opinião volta a estar na moda, e colhem agora louros tardios e até homenagens de oportunidade.
Tudo isto, Senhora Doutora Manuela Ferreira Leite, Minhas Senhoras e meus Senhores, porque reclamam já terem descoberto as causas profundas da nossa crise.
Dizem eles, com um tom grave, que o problema de Portugal está directamente relacionado com o
neo-liberalismo. E, perante isto, para gáudio da nova esquerda evangelizadora, que gostaria de se ver livre do capitalismo e de nos reeducar, há muito boa gente que passou a acreditar nesse discurso e a fazer promessas de conversão a essa velha corrente. Até o Governo finge acreditar nisso. Não sei se o faz por cálculo eleitoralista, porque tem peso a menos nas convicções, ou porque tem peso a mais na sua consciência.
A verdade é que este Governo parece ter desistido, ou já se ter arrependido, do seu impulso reformista. Algo que era, na minha opinião, o aspecto mais positivo da governação, e que muita vezes elogiei. Quando o Primeiro-Ministro confessa que vai mandar contratar mais funcionários públicos para contrariar a falta de empregos, não está apenas a mascarar o desemprego. Está a enterrar o reformismo, está a inverter o rumo e a abandonar a coerência da sua governação. Pior do que isso, está a desistir. Está a confessar que a crise que vivemos não é apenas conjuntural, porque só assim se entende que assuma encargos que, como se sabe, não poderão ser aligeirados quando acabar este ciclo económico. Ou seja, está a adoptar uma medida definitiva e não anti-cíclica.
Pois quer-me parecer que estamos perante um sério erro de navegação.
É que, Senhora Doutora Manuela Ferreira Leite, minhas Senhoras e meus Senhores, não se pode abandonar um modelo que nunca existiu. Não podemos acertar no rumo que nos fará sair da crise se estivermos enganados quanto ao ponto de partida. Não podemos tratar uma doença quando falhamos o diagnóstico. Pois a verdade é que o modelo português não é, nem nunca foi,
neo-liberal. Não o foi durante o Estado Novo nem o foi, em nenhum momento, depois do 25 de Abril. Em Portugal, sempre tivemos e ainda temos muito Estado, muitas regras, muitos instrumentos de fiscalização.
O problema, é que temos um Estado omnipresente e omnipotente mas também
omni-incompetente, ou seja, um Estado que é pago a peso de ouro para um desempenho que é suposto ser
majorante. Só que, este Estado não é capaz, depois, de desempenhar as funções que para si reclama. Temos um Estado que por cada 10 que cobra em impostos, consome ele próprio 5. Mas, pior do que isso, é a forma esbanjadora e pouco eficiente como utiliza os 5 que lhe restam e que nunca lhe chegam. Temos um Estado que adora subsidiar mas detesta fomentar, que persegue o risco que é a chave do
empreendedorismo, que promove o laxismo e a impunidade, que
destrói mais do que
constrói.
Ora, ainda que se reconheça que a economia precisa, nesta altura, de ser aquecida e que se acredite que este é o momento em que o Estado, para isso, se deve endividar, não se pode confiar neste Estado perdulário para o fazer, porque o esforço será esbanjado e desperdiçado e os efeitos práticos serão fracos, caros e tardios. Por isso, e mesmo admitindo que o Estado deve manter e até reforçar as suas competências em tempos de crise, não acredito que se possa conseguir a recuperação económica apostando primordialmente no investimento público, ainda por cima se este for seleccionado por critérios pouco objectivos. Muito menos acredito que a recuperação possa ser feita pelo aumento da despesa primária, ou seja, aumentando o número de funcionários públicos e as suas remunerações.
O problema desta crise, para além das suas complexidades, é que ela está a afectar os portugueses de forma desigual. Não atinge, já se sabe, quem depende do Estado, quem tem o seu emprego garantido e bons aumentos fixados por lei e ainda beneficia da redução da taxa de juro e do custo da gasolina. Atinge, de forma menos grave, todos aqueles que estão ligados à economia dos bens não-transaccionáveis. Mas, atinge com toda a violência o sector da economia aberta, dos bens transaccionáveis. É por isso que a economia do Norte está a sofrer tanto, Senhora Doutora Manuela Ferreira Leite, porque é aqui nesta região que se concentra grande parte dessa indústria. E espero poder dizer que se concentra, e não ter de dizer que se concentrava, quando a crise acabar.
É isso, minhas senhoras e meus senhores, que nos tem de preocupar. Por razões económicas, naturalmente, porque como o Senhor Presidente da República alertou, o problema estrutural do país é a sua dependência comercial, e esta região é a única que tem uma balança comercial positiva, porque exporta muito e porque produz bens que substituem as importações. Por razões sociais também, porque o desemprego está a aumentar em flecha, a um ritmo muito superior ao do resto do país, porque há pequenos empresários que estão na miséria sem sequer poderem recorrer ao fundo de desemprego. Finalmente, por razões de coesão nacional já que não é lícito, nem aceitável, que mais uma vez se esbanjem os dinheiros públicos e os fundos de coesão onde são menos precisos, para obras faraónicas desnecessárias e de onerosa manutenção.
Senhora Presidente do PSD,
O país vai mal. O Norte vai de mal a pior. Eu sei que não gosta nem de ouvir falar de regionalização. Mas compreenda que quem aqui vive e trabalha já não acredita nas promessas da descentralização, nas
panaceias da devolução de poderes, nas políticas sectoriais. Não, nós já não acreditamos, porque aquilo que vemos é que as políticas públicas vão sendo delineadas em função de prioridades que não beneficiam esta região. E, não se trata sequer de estarmos a exigir medidas selectivas, ou qualquer proteccionismo injustificado. O que nós exigimos é que se reconheça que a saída da crise estrutural que o país atravessa depende, antes de mais, da resolução - através de medidas de fomento ao emprego e ao investimento e de políticas que contribuam para os factores de competitividade e do abaixamento dos custos dos factores de produção - dos problemas desta nossa economia. O que implica que em vez de projectos megalómanos, que irão sempre custar o que o país não pode pagar, e que mais uma vez irão sacrificar particularmente o Norte - como se percebe com o aeroporto de Lisboa que precisa do aeroporto do Porto como parte do enxoval para atrair investidores privados - se aposte em medidas e investimentos que possam ter efeitos multiplicadores e induzidos. Sem esta economia, sem esta região, sem a economia desta região, a crise conjuntural passará mas Portugal continuará a marcar passo, a crescer menos do que os outros ou a decrescer mais do que os outros, conforme o ciclo económico e a também a agravar a sua dívida e a sua dependência externa. Não se trata de mera retórica, minhas Senhoras e meus Senhores. É um problema para o qual o Senhor Presidente da
CCDRN tem alertado com grande coragem e sobre o qual algumas das mais prestigiadas vozes da região, como o Senhor Professor Alberto de Castro, não se tem cansado de falar. Infelizmente, não faz parte da agenda política, por ser inconveniente, mas representa um risco muito mais grave para a coesão nacional e para a nossa soberania do que os que resultariam de uma divisão do país em regiões administrativas.
Já muito falei, Senhora Doutora Manuela Ferreira Leite. Mas compreenderá que não poderia deixar de lhe dizer hoje, e aqui, o que penso sobre tão complexa conjuntura. De lhe dizer que um rumo político que esquece o Norte… é um desnorte.
Afinal, é essa a função desta Associação, é essa a obrigação do seu presidente. Mas, é a si que todos queremos ouvir. Por isso, permita-me apenas que lhe agradeça muito a sua presença entre nós. Para nós, é uma honra. Espero que também se sinta bem nesta casa de liberdade.
Muito obrigado.
Associação Comercial do Porto, em 9 de Março de 2009