Senhor Presidente da Assembleia Municipal,
Senhor Presidente da Camara,
Senhores Vereadores,
Senhores Deputados Municipais,
Portuenses
Começo, naturalmente, por agradecer o honroso convite para estar hoje, aqui, e
pela segunda vez em poucos meses, para vos falar de um tema que a todos
preocupa e aflige. Desta feita, para ajudar à vossa reflexão sobre o futuro do
nosso aeroporto. Entendo que o tempo de que disponho, por vossa gentileza e
generosidade, necessita de ser rentabilizado. Não me alongarei, por isso, em
grandes considerações sobre a importância do aeroporto no desenvolvimento
futuro da nossa cidade. Esse é um tema que, felizmente, recolhe opinião unânime
de todos os quadrantes políticos, de todos os observadores, de todos os
cidadãos. Diria apenas, como tenho dito, que a nossa cidade, que se chama
Porto, dependeu no passado da sua actividade portuária, da mesma forma que
depende hoje da sua actividade aeroportuária. O aeroporto é pois a nossa porta
para o Mundo e, simultaneamente, o maior vector da nossa competitividade. Uma
competitividade que depende da nossa capacidade de abrir a nossa economia,
exportando bens e serviços, de valor acrescentado. É por essa razão que todos
estamos muito preocupados com o seu futuro, e ninguém nos perdoará, nos anos
vindouros, se não nos envolvermos na discussão sobre o assunto. Tema que, como
os senhores deputados bem sabem, esteve sempre na agenda da Associação a que
presido.
Dito isto, permitam-me que saliente que não sou um defensor de qualquer modelo
de privatização. Nesta matéria, preferiria o status quo a qualquer outra
situação. Não se trata de uma questão ideológica, ainda que respeite essas
opções. Resulta de uma convicção pessoal de que existe uma dificuldade óbvia em
compatibilizar os interesses públicos e os interesses privados que, sendo ambos
legítimos, nem sempre podem ser articulados. Bastará para isso dizer, e
perdoar-me-ão a simplificação, que o interesse público, salvaguardada que
esteja a sustentabilidade do projecto, assenta na maximização do movimento de
passageiros e carga, enquanto o interesse privado reside, fundamentalmente, na
maximização dos resultados ou, se preferirem, do lucro. Desideratos cuja
sobreposição está longe de ser óbvia.
Ainda assim, creio que essa discussão compete aos senhores deputados. É essa a
vossa missão, enquanto representantes do povo. A minha presença nesta casa tem
um outro objectivo. Entendo que é mais útil assumir que, de uma forma ou de
outra, e em função dos compromissos assumidos pelo Estado português, é
inevitável admitir que haverá um envolvimento privado na gestão do aeroporto.
Nesse aspecto, permitam-me que tente desmontar um mito,
recorrentemente invocado. O mito de que a gestão da Ana é muito competente.
Creio, aliás, que o modelo de privatização que foi adoptado tem, como co-autor,
o seu concelho de administração. A meu ver, os elogios relativamente à gestão
da Ana olvidam, desde logo, que os resultados positivos decorrem de o monopólio
público ter uma taxa média por passageiro que, de acordo com um estudo recente
divulgado pelo professor João Marrana, da CCDRN, equivale ao dobro da que é
aplicada em Espanha.
Ao mesmo tempo, ninguém esquecerá que a administração da Ana defendeu que o
novo aeroporto de Lisboa deveria ser na Ota, tendo induzido em erro vários
ministros a quem convenceu de que não haveria solução mais conveniente,
nomeadamente na margem Sul. Depois, desvalorizou, propositadamente, o modelo
Portela + 1, tentando construir um argumento falso de que o actual aeroporto de
Lisboa estaria próximo de atingir a sua capacidade plena. Enquanto isso, fez
investimentos nesse aeroporto que excedem o custo de construção do aeroporto
FSC. E, mesmo quanto ao nosso aeroporto, sabe-se que houve erros de projecto
que foram muito convenientes para as construtoras mas desastrosas para o erário
público. Reconheça-se o edifício é, além do mais, pouco eficiente em termos
energéticos, o que aumenta o seu custo de operação. Finalmente, a ANA foi
sempre, e continua a ser neste momento, um instrumento do centralismo. Recordo,
a propósito, que a sua administração se opôs à instalação de uma base da
Ryanair, questão em que me envolvi, e que só foi resolvida depois de uma
intervenção pessoal do anterior primeiro-ministro, que presenciei, e que para
isso fora instado pelas forças vivas do Norte. Por fim, a recusa reiterada em
divulgar as contas especializadas do nosso aeroporto, o que tem obstado a que
se conteste o que tem sido dito sobre a transferência de receitas, é uma prova
muito eloquente de que essa administração nunca esteve interessada em qualquer
modelo alternativo que não fosse a privatização em bloco que acaba de ser
anunciada.
Senhor Presidente, Senhores Deputados,
Como Vossas Excelências bem sabem, a Ana é a concessionária pública dos nossos
aeroportos, sendo uma empresa de capitais públicos. Admitindo que é necessário
alienar a totalidade ou uma parte desses activos, impunha-se uma avaliação
cuidada dos modelos alternativos. Sucede que o modelo que tem sido seguido em
outros países, que optaram pela privatização, ou pela concessão a privados dos
seus aeroportos, aponta para que haja benefícios na privatização destes em
separado. Ou seja, o modelo de monopólio privado que abranja todo o sistema
aeroportuário não é o único modelo possível nem é, provavelmente, aquele que
permite maximizar os benefícios.
Há, estamos em crer, argumentos suficientemente fortes, a
favor e contra cada uma das alternativas, para que a questão assuma um carácter
empírico, sendo importante trazer argumentos quantitativos para cima da mesa.
No caso português, e para além da questão dos aeroportos dos Açores que têm uma
complexidade evidente, sucede que os três aeroportos continentais têm
características próprias. No caso da região de Lisboa, sabe-se hoje que o
modelo a adoptar, que poderá alicerçar-se no modelo Portela mais um ou pela
construção de um novo aeroporto de raiz, ao que tudo indica na carreira de tiro
de Alcochete, dependerá, em larga medida, do que vier a suceder com a
privatização da TAP, na medida em que só então se poderá avaliar se o “hub” de
Lisboa será mantido. Quer isto dizer que, se a ANA for privatizada “en bloc”
sem que esta premissa esteja devidamente esclarecida, haverá um factor de
incerteza que certamente será descontada no valor. O mesmo não sucede, como se sabe,
com o aeroporto Francisco Sá Carneiro ou com o aeroporto de Faro, cujo valor
intrínseco e potencial não será afectado por essa variável, na medida em que
não dependem da companhia nacional.
Por essa razão, a privatização das concessões aeroportuárias em separado
poderia permitir um calendário diferenciado e sequencial, em que a privatização
dos aeroportos de Porto e Faro não estaria dependente, no tempo, da
privatização da TAP, podendo, no limite, precedê-la com vantagens em termos do
tempo de obtenção de receitas. Quanto à concessão de Lisboa poderia ser
alienada num prazo posterior, uma vez esclarecida a questão da TAP.
Acresce ainda que o modelo da privatização “en bloc” pela sua dimensão e valor,
só será acessível a grandes consórcios, enquanto a privatização em separado
pode interessar a investidores industriais ou operadores de aeroportos que
dificilmente terão dimensão para concorrer a um concurso que abranja todo o
sistema. Ou seja, é lícito deduzir que haveria mais procura, e muito mais interessados,
numa privatização em separado de aeroportos com características bem diferentes
entre si, o que poderia trazer ganhos extraordinários nos vários concursos e
potenciar um resultado final mais interessante, não apenas na dimensão
financeira mas também no que ao desenvolvimento regional diz respeito.
Finalmente, é bem sabido que as linhas aéreas, e as “low cost” em particular,
têm sempre mostrado grandes reservas quanto aos modelos de monopólio privado
dos sistemas aeroportuários, mesmo quando limitados a circunscrições locais
(v.g. , Londres) e essa é uma questão particularmente relevante do ponto de
vista do interesse público.
Sucede, contudo, que estes argumentos, que em tempo tive oportunidade de
apresentar ao Senhor Primeiro-Ministro, não terão vingado. O Governo terá
decidido avançar com a alienação do capital da ANA. Ou seja, a transferência do
actual monopólio público para o sector privado, o que resultará num modelo de
monopólio privado.
Aparentemente, o Governo optou por esse modelo por considerar que garante um
maior encaixe financeiro. Creio que o Governo olvidou e negligenciou os custos
da regulação, que serão inevitáveis. Acresce, ainda, que esse modelo só
resultará num maior encaixe financeiro se os privados acreditarem que essa
regulação será inconsequente. Ou seja, o Governo admite, e resigna-se, ao facto
de que o monopólio será desregulado, a exemplo de outros que conhecemos. E,
bastará ler os jornais para compreender que, por isso, esta privatização já
interessa aos grupos económicos que se especializaram nesse saque.
Ora, quer a OCDE, que emitiu um relatório a esse propósito, quer a delegação do
FMI, com quem tive oportunidade de falar sobre o assunto há algumas semanas,
reconhecem que o Governo não deveria basear o modelo de privatização numa
análise custo-benefício financeira. Ou seja, entendem que a maximização do
encaixe não deveria determinar o modelo, porque a análise custo-benefício deve
incluir, também os factores macro-económicos. Por fim, esse modelo representa,
como se sabe, um risco terrível para o aeroporto do Porto. Bastará, aliás,
invocar que o Governo, na sua resolução, admite que o modelo visa garantir a
capacidade de financiamento das suas actividades e investimentos, nomeadamente
de um aumento da capacidade aeroportuária na região de Lisboa.
Compreende-se, hoje, que as incertezas que pesam sobre Lisboa, e sobre o que
sucederá à TAP, presidiram à decisão que, para além do mais, interessa a alguns
grupos económicos que olham a hipótese da construção de um novo aeroporto,
protegido por um monopólio, como uma oportunidade única. O Governo, pelo seu
lado, não sabe ainda se necessitará de um novo aeroporto em Lisboa, porque
ignora o que sucederá com a TAP, mas sabe que, para que esse aeroporto venha a
ser construído pelos privados, terá de ser um Hub. E, para que esse hub ganhe
massa crítica, independentemente do que suceda à transportadora aérea, é
importante que o aeroporto Sá Carneiro não lhe possa fazer concorrência. Pelo
contrário, é uma reserva de procura, principalmente numa fase em que se
aproxima da sua capacidade máxima.
Quer isto dizer, senhores deputados, que a opção natural do monopólio privado,
e que é legítima do ponto de vista a sua estratégia, será a de moderar a
procura no aeroporto Francisco Sá Carneiro, através de um aumento de tarifas
que também aumentará o lucro, de forma a resolver a difícil equação de Lisboa.
Sucede que essa lógica, que é, repito, lícita do ponto de vista do privado,
colide directamente com os nossos interesses, enquanto região. E, por muito que
entenda as expectativas da Junta Metropolitana, não acredito que seja possível
garantir uma intervenção directa dos nossos autarcas, ou dos nossos poderes
democráticos, na gestão do nosso aeroporto, se este fizer parte de um
monopólio privado. Poderão ter uma missão de aconselhamento, mas não terão
intervenção nas tarifas e na atracção de rotas e de operadores porque o privado
nunca aceitará essa tutela, independentemente do que possa vir a ficar
consagrado no caderno de encargos.
Independentemente dos interesses regionais, que são legítimos, acreditamos que
mesmo em termos financeiros, a soma das partes pode valer mais do que a
alienação total. Entendemos os constrangimentos que dizem respeito ao
financiamento, mas acreditamos que, também esses podem ser ultrapassados.
Seria conveniente, porventura, estudar a possibilidade de criar subsidiárias da
ANA, de forma a não prejudicar as condições dos financiamentos existentes, e
que dificilmente poderão ser replicadas na actual conjuntura internacional;
esse é um dos argumentos que temos ouvido, e que não nos convence.
O que tem sido invocado é que a ANA tem, ainda, financiamentos, muito
interessantes, anteriores aos problemas de “rating” da República, e que não
poderão ser garantidos se a privatização for feita em separado. Ora, esse é um
falso argumento. Em primeiro lugar, porque esses financiamentos terão,
garantidamente, uma “change of ownership clause”. Ou seja, poderão ser objecto
de resgate obrigatório, se o accionista da ANA deixar de ser o estado
português. E, nesse caso, esse ónus pesa, de forma equivalente, sobre os
modelos de privatização em bloco e em separado.
Na realidade, a forma de obstar a esse risco de financiamento, se não for possível
sindicar a dívida existente e convencer os bancos financiadores da Ana de que
não há um acréscimo de risco, passa por um modelo de subconcessões. Ou
seja, um modelo em que a ANA continuaria a ser uma empresa pública,
concessionária do serviço público de gestão dos aeroportos. Essa empresa
poderia subconsessionar os três aeroportos, em separado, garantindo um conjunto
de compromissos e de garantias que podem ser consignados num contrato de
concessão, como acontece nos portos. Nesse modelo, a supervisão por parte dos
poderes regionais poderia ser acautelada sem grande dificuldade. Poderia haver
uma cláusula de trigger, que obrigasse o subconcessionário a fazer obras de
ampliação, sempre que o aeroporto estivesse perto do seu nível máximo de
capacidade, poderia, igualmente, haver um mix entre rendas fixas e variáveis
que beneficiasse o aumento de movimento ou que onerasse a sua redução. Tudo
isso são modelos que foram testados nas concessões portuárias que tem tido um
sucesso assinalável.
Dir-se-á, e é verdade, que o modelo das subconcessões não permite um encaixe
total à cabeça. Sabe-se que esse encaixe se destina a reduzir a nossa dívida
externa. Garante, no entanto, uma maior rendibilidade no longo prazo e receitas
que entram directamente na conta do défice público. E nada impede, sequer, que
haja um pagamento inicial considerável, por parte do concessionário.
Não é difícil encontrar outras modalidades que garantam a gestão autónoma do
nosso aeroporto e que não condicionem a política do Governo e aquilo que está
previsto no memorando com a Troika. O que não pode suceder é deixarmos que o
nosso aeroporto tenha, como destino, fazer parte de um enxoval que será
oferecido a quem pague mais, a troco de um monopólio nacional, a quem assuma as
incertezas que pesam sobre Lisboa à custa do nosso aeroporto, a quem esteja
muito interessado em comprá-lo por valorizar a sua “nuisance value”, e esteja
pouco ou nada interessado em aumentar o seu movimento.
O aeroporto Francisco Sá Carneiro é, como todos sabemos, e a
par do porto de Leixões, um factor de competitividade crucial para a nossa
região. Está por provar que tenha resultados negativos. Os nossos estudos
demonstram o contrário, e é essa a percepção dos investidores, na medida em que
há interessados na privatização na base stand alone.
No futuro, o aeroporto não deixará de estar sujeito à concorrência dos
aeroportos galegos, que concorrem com o seu “hinterland”. Se fizer parte de um
monopólio desregulado, esse seu hinterland será dividido entre os aeroportos da
Galiza e o novo aeroporto de Lisboa. É esse o risco que pesa sobre uma cidade e
uma região que têm, por isso, o dever de reclamar e contestar, propondo
alternativas que sāo favoráveis ao todo nacional, e não decorrem de impulsos
bairristas. Foi por isso que aceitei o vosso convite.
Muito obrigado!