Caderno de notas
Publicado em 2012-07-03
1) Cada um à sua maneira, Partido Comunista e Bloco de Esquerda sonham ver repetida a situação grega. Não que anseiem por uma deterioração, ainda maior, das condições de vida dos portugueses. O que os faz salivar é a hipótese de o Partido Socialista seguir o caminho do PASOK, reduzido a uma expressão eleitoral marginal. A entrevista de Francisco Louçã ao Expresso é, a esse propósito, elucidativa. Lá, como cá, o PS está ligado à negociação do programa de ajustamento, tendo muita dificuldade em se libertar dessa herança. A táctica passa por sublinhar a co-responsabilidade dos socialistas com as políticas que estão a ser seguidas. O pior que lhes poderia acontecer seria, por isso, que o governo acentuasse a política de austeridade, fornecendo ao PS o pretexto para saltar do barco e evitar o desgaste. Na perspectiva do PC e do Bloco, quanto mais tempo a actual ambiguidade se mantiver, melhor.
2)Fazendo jus à sua proverbial capacidade de organização o PC, em conjunto com a CGTP, tem vindo a organizar, por onde passam membros do governo e, até, o presidente da República, pequenas manifestações "espontâneas" de protesto, sonoras e aguerridas o suficiente para justificarem a cobertura de repórteres viciados no sensacionalismo acrítico, incapazes de fazer uma pergunta com sentido a quem quer que seja e, muito menos, aos putativos representantes do povo sofredor. Trata-se de operações mediáticas que visam criar a sensação do alastrar, por todo o país, de um sentimento de revolta justificado pelos sacrifícios que têm vindo a ser impostos aos trabalhadores. Nada que não se tivesse já visto, dir-se-á. Talvez não seja exactamente assim. Se o que se passou na Covilhã não tiver sido uma fuga acidental ao guião pré-estabelecido, poderemos estar perante uma escalada nas formas de contestação, envolvendo o insulto e ameaçando a violência. Não é típico e, no entanto, talvez não seja de estranhar. Confrontado com o acontecido, Arménio Carlos não teve vergonha de recorrer a uma argumentação capciosa, sobre os excessos do governo, para justificar o sucedido. Estejamos atentos aos próximos episódios para perceber se, como muitos anteciparam, a mudança de secretário-geral na CGTP correspondeu a uma radicalização não apenas no discurso, como na prática, reflectindo a vitória da linha dura e uma inflexão no posicionamento dos comunistas. Um caminho perigoso a que a necessidade de ganhar a "pole position" ao BE na luta pelos eventuais despojos do PS talvez não seja estranha.
3)À reforma da justiça, quaisquer que sejam os méritos e pecados próprios, aplica-se a metáfora da gota de água que faz transbordar o copo. Depois do fecho de escolas, delegações das finanças, postos da GNR, centros de saúde, e sei lá o que mais, haveria de chegar um momento em que as populações do interior que ainda por lá se mantêm dissessem "o que é de mais, é moléstia". Aconteceu quando se decidiu encerrar o tribunal. Era lógico. Não sou eu que o digo, é Jorge Moreira da Silva, o número dois do PSD. Diz ele que aquele tipo de decisões devia obedecer a uma perspectiva integrada, de modo a evitar que se acumulem encerramentos nos mesmos concelhos, a maioria dos quais no interior do país. Pode parecer óbvio e, contudo, marca uma ruptura com a política da decisão ministério a ministério, sem qualquer coordenação horizontal, de que o desenvolvimento regional tem sido vítima. Moreira da Silva não é membro do governo. No Executivo, o pelouro parece ser de Miguel Relvas. Se isto não é um atestado de incompetência ......
4)A novela "Metro do Porto" continua. Afinal, o modelo de organização conjunta com a STCP não é o que se dizia e não se percebe por que demorou tanto tempo a decidir. Mesmo com todos estes atrasos, o governo não foi capaz de nomear a equipa de gestão. Rui Rio desculpou o ministro da Economia, ingénuo e vítima de politiquices. Santos Pereia apressou-se a desmenti-lo: não havia divergências, nem pressões, no governo. Nesse caso, foi mesmo só falta de consideração pela Junta Metropolitana do Porto e inépcia. Mais valia ter estado calado.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
MARIA JOSÉ – Crónica Semanal do Público de Paulo Rangel
1. Foi algures nos idos de 1998, em vésperas do primeiro referendo sobre o aborto, que conheci pessoalmente a Maria José – Zezinha para os mais próximos, Maria José Nogueira Pinto para o público em geral. Para mim, é a Maria José ou não a tivesse chamado sempre e invariavelmente assim – um modo de chamar que anunciava e denunciava a intimidade distante e a distância íntima que acabámos por cultivar nos treze anos que haviam de seguir-se.
Nessa tarde de sol e de primavera, acompanhados pelos amigos comuns que ali nos apresentaram, almoçámos nas margens do Douro, mesmo junto à Ponte da Arrábida. E daí seguimos para uma das sessões preparatórias da campanha do “não”, em que supostamente ambos deveríamos falar. Digo supostamente, porque, depois de a Maria José ter falado, já quase nada ou mesmo nada havia para dizer. Raras vezes tinha ouvido – e raras vezes ouvi depois – uma intervenção que me tivesse impressionado tanto. Não eram apenas as palavras, não eram somente as ideias, não eram ainda as acções e os programas. Era a Maria José: ela estava no discurso. O discurso era, também e afinal, a Maria José.
2. A intervenção dessa tarde – entre discurso e debate –, muito para lá do tema e da ocasião, revelava e desvendava a sua autora. A apresentação de abertura, nem curta nem longa, carregada de filosofia, de valores e de utopia, era paradoxalmente uma verdadeira lição de pragmatismo, de conhecimento de realidade, de guias e critérios de acção. E uma vez aberto o debate, acorreu o turbilhão das perguntas de gente inquieta e de gente muito diferente, que, militando pelo dito “não”, tinha mundividências divergentes e contraditórias. Esse teste da audiência, em que o humano se jogou por inteiro, foi ainda mais avassalador. Maria José, que era uma executiva e gestora de tomo, com vasta experiência em grandes unidades administrativas, cultora de uma poderosa racionalidade, ao mesmo tempo que lançava, com zelo, os dados estatísticos, económicos e sociológicos discorria, com deleite e com cuidado, sobre filosofia, arte e teologia. Nenhum problema, por mais técnico que fosse, escapava ao seu olhar humano, profundamente humano, demasiado humano, daquele humano que conhece e afecta a elegância dos salões e o relento dos que dormem a céu aberto. Não havia nela – e não houve naquela tarde, que, mais do que uma tarde, me parece ainda hoje uma manhã – número que não se volvesse em pessoa. Ela gostava de cuidar e cuidar, para ela, era fazer dos números pessoas.
Se me lembro bem, terá sido o primeiro acto da minha primeira campanha “política”. Para quem, como eu, duvidava e continua a duvidar da justeza das minhas posições, aquilo não fora, apesar da inquebrantável convicção da Maria José, nem um baptismo de água nem um baptismo de fogo. Aquela “tarde-manhã” fora um subtil derrame de bálsamo.
3. Até então conhecia a Maria José enquanto figura pública, como qualquer de nós, fosse da sua passagem pela cultura, fosse da sua especialização e experiência nas áreas sociais, fosse da sua residência nas bancadas do parlamento. Daí em diante, fomo-nos cruzando nas mais várias iniciativas, fomo-nos achando numa ou noutra ocasião social, fomos criando uma empatia crescente. E, entretanto, também um pouco por circunstâncias fortuitas e nem sequer coincidentes, fui encontrando aqui e ali o Jaime Nogueira Pinto. Encontros, mais duráveis ou mais fugazes, que manifestamente iam apertando os nós e os laços, os nós e os laços de que fala o Alçada, o Alçada de todas adolescências tardias. Mas o impulso decisivo – o salto para a amizade, daquelas de quem se lê e de quem se escuta – veio dos lados da Maria João Avillez. A Maria João, com a supina arte de ligar gente, ligou-nos a um programa de rádio. E na rádio, o único meio de comunicação em que a exposição da intimidade não se corrompe em pornografia, o convívio semanal fez o resto – o resto que, viemos todos a descobri-lo, já tarde, nunca tinha faltado.
4. A Maria José – desses anos em que estive distantemente próximo – testemunhou-nos a mais importante e talvez a mais carecida qualidade dos políticos e, já agora, dos humanos: a independência de espírito. Assumia as suas convicções fundas e radicadas, mas nunca as apresentou com sectarismo, facciosismo ou fundamentalismo. Colocava-se firme do seu lado da barricada, mas isso nunca a impediu de apoiar um presumível adversário, se o tivesse por competente e credível. Não tinha medo do confronto e da palavra forte, mas poucos terão feito tantas pontes e fomentado tanto o diálogo com ideologias e crenças que pareciam da outra margem. Era detentora de uma visão ideológica global, mas não abdicava de entrar em projectos concretos de sinal diverso e de neles trabalhar em equipa para realizar o bem comum. Vivia a política com paixão, mas nunca deixou de perceber o carácter largamente instrumental dos partidos. Possuía uma grelha teórica invulgar, mas analisava os factos com um detalhe técnico e um conhecimento da natureza humana próprios de uma “self-made-woman”.
5. Nestes tempos conturbados, vejo os debates na televisão e falta-me a sua análise. Falta-me o seu conselho, a sua mensagem telefónica, o seu email, o seu artigo de jornal. Mas em especial, depois deste ano de Europa, de que estou tão interiormente próximo, falta-me a opinião de uma portuguesa que via a sua essência como portuguesa. Com a Europa em apuros e as Áfricas, os Brasis e as Chinas a vibrar, precisávamos de ouvir a Maria José, para quem Portugal não era imperial mas imperativo. Faz-me falta e faz-nos falta, apenas um ano depois. Eu sei – porque nos disse pelo seu próprio punho, embora com palavras de “Outrem” – que nada lhe faltará. Mas a nós, a nós portugueses, falta-nos alguém. Desde 6 de Julho de 2011 que há alguém que nos falta.
SIM e NÃO
SIM. Mario Monti. O que não tem conseguido fazer na Itália, logrou fazer no último Conselho Europeu. Visão estratégica, com realismo e sentido da oportunidade.
NÃO. Governo e transportes no Porto. O porto de Leixões, os STCP, o Metro e até o futuro do aeroporto (via privatização da ANA) são assuntos sempre adiados. O Governo dá sinais de “desnorte”: esperava-se mais e melhor.