quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Justiça e economia dominam preocupações: a solução está no diálogo











Justiça e economia dominam preocupações: a solução está no diálogo

Empresários, gestores e economistas apelam à estabilidade política e pedem compromissos de regime. E o país que está em jogo, dizem

A economia, claro. Mas também a justiça, a justiça e a justiça. As preocupações dos portugueses quanto ao rumo do país entroncam invariavelmente nestas duas palavras. A crise económica preocupa e exige medidas que revitalizem a economia do país, o que não é novo. Mas a sucessão de polémicas em torno do sistema judicial coloca cada vez mais a reforma da justiça portuguesa no topo das prioridades da maioria das personalidades ouvidas pelo i.
Os argumentos para esta urgência residem no “desalento” que as polémicas judiciais criam “nos agentes económicos”, como defende o CEO da Jerónimo Martins, Luís Palha da Silva: “Coloca Portugal na última divisão dos países onde funciona o Estado de Direito”. Pior, sugere Basílio Horta: a imagem interna e externa da justiça portuguesa “é deficiente” e “não só não garante os direitos dos cidadãos como os pode prejudicar”.
Um problema agravado pela falta de habilidade que algumas pessoas apontam ao governo na reacção às polémicas que têm envolvido o primeiro-ministro: “Devia concentrar-se na governação e deixar o debate sobre as teorias da conspiração contra si próprio, e nunca meter os seus ministros principais a fazer as despesas da politiquice”, aponta o director-geral das Produções Fictícias, Nuno Artur Silva.
O problema de falta de credibilidade não se esgota, no entanto, na justiça portuguesa e nas suas implicações políticas. Os primeiros passos do novo governo minoritário de Sócrates tiveram na última sexta-feira um primeiro tropeção: a aprovação de um pacote de medidas económicas apresentadas pela coligação negativa da oposição - naturalmente contrárias às pretensões do executivo PS - suscita dúvidas sobre a capacidade que o governo terá para manter-se no poder até 2013. “Vai ser difícil este governo cumprir a legislatura”, vaticina Bagão Félix, que agenda para “depois das eleições presidenciais” o provável regresso em força da discussão sobre a viabilidade da continuação de José Sócrates no poder.
Mas até lá os problemas do país não vão desaparecer. Por isso, entre a necessidade de “recuperar a confiança económica das famílias e das empresas”, como defende Eduardo Catroga, ou a convicção de que “ninguém deseja instabilidade política para o país”, como garante Correia de Campos, há uma evidência que emerge: o governo tem de dar mostras inequívocas de capacidade de diálogo com os partidos da oposição.
Paulo Teixeira Pinto defende, mesmo, que os problemas do país não se resolvem só com medidas, mas também “com um estilo de actuação”. Talvez o mesmo estilo que leva o presidente da Endesa Portugal, Nuno Ribeiro da Silva, a apelar ao governo para “não esconder os problemas, falar verdade e, em coerência com isso, conseguir implementar o que diz”. Nomeadamente no que respeita ao “controlo da despesa pública”, uma preocupação partilhada por grande parte das personalidades contactadas.
A prossecução desses objectivos pode, no entanto, estar refém de compromissos com a oposição. “O governo deveria abrir um processo de negociação” e “procurar consensos”, defende Murteira Nabo. E deixa um alerta: “Se não for assim, o poder transfere-se para a Assembleia da República sem qualquer Norte, iremos definhando até final da crise e as eleições antecipadas serão apenas uma questão de tempo. Deveria existir um consenso em torno de questões essenciais. Senão o país torna-se ingovernável”.

AS CRÍTICAS E AS SUGESTÕES

Luís Palha da Silva
CEO DA JERONIMO MARTINS
Pôr a funcionar a justiça em dois ou três anos. Este problema cria desalento nos agentes económicos e coloca Portugal na última divisão dos países onde funciona o Estado de Direito. Depois, existem outras prioridades de longo prazo como a educação.

Rui Moreira
PRES. DA ASS. COMERCIAL DO PORTO
O governo deve, essencialmente, falar a verdade sobre o défice e a real situação das contas públicas. Na última sexta-feira, foi a política furtiva do governo que foi derrotada, política que, aliás, é uma especialidade do governo de Sócrates. Por esta via não, não vai conseguir sobreviver. Não creio que desta forma tenha condições para se aguentar durante quatro anos no governo.

Eduardo Catroga
ECONOMISTA
O que é fundamental é que o governo recupere a confiança económica das famílias e empresas. É normal que as instituições passem por períodos difíceis, sobretudo quando se vive a suspeição de casos de corrupção. Não há uma medida específica que resolva tudo, mas é certo que o governo tem de concentrar-se em governar bem e em mostrar capacidade para aumentar o investimento empresarial.

Martins da Cruz
CONSULTOR DE EMPRESAS
Não encaro o que aconteceu no Parlamento como uma derrota política e não acredito que vá acontecer muitas mais vezes. Portugal precisa de estabilidade para avançar. Se soubesse que um governo ia cair, não investia. Não me lembro de um governo com maioria absoluta na Bélgica ou na Holanda nos últimos anos. E aqueles países não deixaram de ser governados. Este governo também tem quatro anos para governar.

Ferreira Amaral
ECONOMISTA
A pedra de toque para o futuro da governação será a discussão do Orçamento do Estado (CIE) para 2010. Tudo vai depender da proposta apresentada, daquilo que a oposição quiser alterar e da capacidade de negociação do governo. Vai ser o grande teste. Se o governo sair dessa discussão sem se rever no OE pedirá seguramente uma moção de confiança ou precipitará a realização de novas eleições.

Campos e Cunha
ECONOMISTA
A oposição está a fazer um favor ao governo, abrindo portas à realização de eleições antecipadas muito brevemente. [A votação no parlamento na passada sexta-feira] é dar ao governo, de mão beijada, o pretexto para que isso aconteça. Por incompetência da oposição. Será difícil ao governo cumprir a legislatura até ao fim, ficando a realização de novas eleições dependente dos prazos constitucionais.

Pedro Gonçalves
CEO DA SOARES DA COSTA
Defendo uma concertação e convergência entre a comunidade política em três áreas. 1) Na justiça, com um reposicionamento como garante de uma vida normal do país. Não se resolve com legislação, mas talvez com medidas de gestão. 2) Sustentação e criação de emprego, com incentivos fiscais em novos postos de trabalho. 3) Reforma do papel do Estado, por forma a torná-lo menos oneroso.

Mira Amaral
PRESIDENTE DO BANCO BIC
O governo poderia recuperar credibilidade se tomasse medidas para reduzir de forma clara a despesa corrente e prosseguir a reforma da administração. A situação é preocupante e um governo não pode andar a reboque da oposição. Ninguém acredita que o governo chegue ao fim da legislatura. Vai ser um jogo de xadrez entre o governo e a oposição.

Bagão Félix
ECONOMISTA E GESTOR
Era o que faltava que, à primeira derrota no parlamento se pusesse a questão da instabilidade governativa. Há coisas mais graves a afectar a credibilidade do governo, nomeadamente tudo o que gira à volta do primeiro-ministro. Isso sim, são coisas demolidoras. Vai ser difícil ao governo cumprir a legislatura e creio que essa questão vai colocar-se sobretudo após as eleições presidenciais.

Medeiros Ferreira
PROFESSOR UNIVERSITÁRIO
A discussão do OE será a melhor resposta que o governo pode dar à oposição. E é importante que as linhas políticas desse documento sejam claras na definição das grandes linhas de orientação política. Tem de acabar-se com a ideia de que há um favorecimento ou apoio a grandes grupos económicos e deve haver a preocupação de retirar a carga de austeridade sobre as pessoas que trabalham.

1.12.2009 - jornal I

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