segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Visto do Porto


A última década não foi boa para o Porto, nem para a Região Norte. Grande Porto e Norte em geral estão entre as regiões mais pobres da Europa


Vista a partir de Lisboa, a polémica sobre a transferência da Red Bull Air Race das margens do Douro para as do Tejo parece uma questão menor. Os protestos dos autarcas locais soam a ouvidos lisboetas como mais um episódio de provincianismo, ainda mais porque vêm embrulhados naquela pronúncia do norte a que, como diria o Rui Reininho, "os tontos chamam torpe".

No entanto, vista a partir do Porto, tem uma enorme carga simbólica. A última década não foi boa para esta cidade nem, globalmente, para a região Norte. Enquanto a região de Lisboa enriqueceu e ultrapassou a média comunitária, a região do Porto empobreceu e afastou-se drasticamente dessa média. Há muita gente que se considera bem informada que não sabe isto: o Grande Porto e o Norte em geral estão hoje entre as regiões mais pobres da Europa - e não era assim há poucos anos. O salário médio de um habitante do Norte é cerca de 250 euros mais baixo que o de um habitante de Lisboa. O desemprego é também maior no Porto e no Norte, especialmente o desemprego de longa duração.

Todos estes indicadores são inequívocos e conhecidos. Mas, sejamos honestos: são geralmente ignorados em Lisboa e por parte do poder central. Os dados económicos e sociais sobre o país costumam ser apresentados de forma agregada, escondendo as enormes disparidades regionais. O desequilíbrio entre Sul e Norte, e sobretudo entre Lisboa e Porto, no que diz respeito ao investimento público é uma realidade. O investimento privado acompanha-o. Isso deve-se à relação clientelar que o Estado português tem com as empresas. Mesmo os grupos que nasceram no Porto sentiram, nos anos mais recentes, a necessidade de se fixarem em Lisboa para estarem junto do poder político do qual largamente dependem (a notável excepção é a Sonae - mas tem pago por isso um elevado preço). Hoje em dia, basta passear pelo centro do Porto para constatar a degradação da cidade. Mas o problema não está só na infra-estrutura física. A perda de centralidade do Porto, que acompanha o seu declínio económico, reflecte-se na falta de oportunidades. A cidade tem uma boa universidade, mas não tem condições para fixar as pessoas que forma, e por isso se encontra hoje tanta gente do Porto em Lisboa. O Porto já não atrai, repele.

Embora não viva no Porto, vou lá muitas vezes. Nos dias em que decorria a Red Bull Air Race, o Porto era mais sorridente e cosmopolita, em contraste com a sua realidade quotidiana. O evento era uma esperança para a cidade e, talvez por isso, ao contrário de tantos que comentaram este caso, compreendo bem a reacção dos autarcas locais. Visto a partir do Porto, o episódio da transferência para Lisboa é um golpe baixo contra uma cidade empobrecida, em crise profunda, abandonada pelo poder central e esquecida pelos portugueses.


João Cardoso Rosas, Professor universitário de Teoria Política
Publicado no jornal I em 24 de Dezembro de 2009

nota/CV: João Cardoso Rosas é Licenciado em Filosofia e Mestre em Filosofia Social e Política pela Universidade do Porto e Doutor em Ciências Sociais e Políticas (Teoria Política) pelo Instituto Universitário Europeu de Florença.

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