Crónica de economia real
Dono de um pequeno restaurante, o sr. M. vive, como muitos outros portugueses, tempos desassossegados. Em 2011, pela primeira vez, e já lá vão mais de trinta anos, perdeu dinheiro. Por este andar, 2012 será bem pior. Todos os dias faz contas à vida.
Para não perder clientes, decidiu não aumentar os preços mesmo depois da subida do IVA. Não sabe por quanto tempo conseguirá aguentar a situação: todos os dias os custos sobem. Não com o pessoal - esses perceberam a situação e aceitaram manter os salários ou mesmo, se for necessário para manter o emprego, até reduzir um pouco. Já lhe disseram que deve ser ilegal e que, um destes dias, é capaz de ter uma inspecção ou uma coisa dessas a bater-lhe à porta. Não acredita e não percebe: a alternativa seria despedir um ou dois. Por que virão cá meter o nariz se isto foi feito com o acordo de todos?
Salvo esses custos, tudo o resto tem subido. Já não fala do gasóleo, hoje mais caro do que nunca. Volta a não entender. O petróleo já esteve muito mais caro e, na altura, o combustível era mais barato. Um dos clientes habituais diz-lhe que terá a ver com o câmbio entre o euro e o dólar ou, então, por também ter aumentado o imposto sobre os produtos petrolíferos. Seja como for, a verdade é que paga mais e gostava de ter uma explicação cabal da evolução. "Cheira-lhe" que anda por ali cambalacho. Que não, diz--lhe outro dos seus clientes. A Autoridade da Concorrência terá investigado essa hipótese e concluiu que não havia evidência de que tal sucedesse. Talvez. Homem curioso pediu à filha mais nova que o ajudasse a procurar na net esse tal relatório. Não percebeu nada e ficou com a dúvida se estas agências não deveriam ser obrigadas a fazer um sumário em Português que se entendesse. Assim, a única conclusão a que chegou foi que paga mais sem saber, nem bem nem mal, a razão.
Também o senhorio lhe tentou aumentar a renda. Há uns 10 anos, como o negócio corria de feição, mudou-se. Era a altura em que os preços do imobiliário dispararam e resolveu não comprar, mas alugar. Começou a sentir que a renda pesava há três anos. Agora, quando lhe chegou a notificação, foi falar com o senhorio para lhe dizer que não pagaria mais e que ponderava sair e abrir quase ao lado, onde há cada vez mais lojas vazias e com rendas mais baixas. A falar é que a gente se entende: foi lá para não pagar o aumento e saiu de lá com uma redução da renda. Um cliente a quem contou a história disse-lhe que era o mercado a funcionar. Pois! Mas se não tem sido ele a falar, parece que o mercado não funcionaria...
Ficou a matutar nisso quando lhe chegaram outras notificações. Gás, electricidade, telefone, seguro, alarme e outros serviços, todos invocando a lei para aumentar os preços. Que raio de mercado é este, pensou? Eu, para não subir os preços e não perder clientes, suporto o IVA e estes vêm com a inércia do passado para justificar os aumentos. Foi procurar alternativas. O seu cliente economista chama-lhe concorrência. As opções não são muitas. Após meia dúzia de telefonemas, concluiu que, nos casos em que parece haver escolha, os preços são praticamente iguais e a lógica é a mesma, da subida institucionalizada. "Se pudesse falar com eles, será que também os convencia? Acho que não. Eles sabem que não tenho saída. Amanhã hei-de dizer ao dr. que isso do mercado e da concorrência é uma treta. Só funciona para os pequenos. E isto não obstante a tal de Autoridade da Concorrência e mais uns tantos outros órgãos reguladores de que o economista lhe tinha falado. "Se toda a gente fizesse o que eu e o meu senhorio fizemos, a vida dos meus empregados seria mais fácil, mesmo sem aumentos nos salários". A caminho de casa, à noite, interrogava-se: "Como será nos outros países?". Suspirou aliviado por, pelo menos, não ter de se preocupar com isso e percebeu melhor a angústia de um outro seu cliente que tem uma fábrica de vestuário e que passa a vida a falar do que se passa "lá fora". "Isto do mercado, quando é a sério, tem muito que se lhe diga".
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