segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Clipping

Para além do orçamento
"Nem mais tempo, nem mais dinheiro. Cumpriremos, custe o que custar". De tanto querer reafirmar o total empenhamento com o que foi assinado, Passos Coelho corre o risco de se condenar à irrelevância: para que precisamos de primeiro-ministro se o ministro das Finanças dá, perfeitamente, conta do recado? Proclamações do género das que têm sido feitas têm esse contra: são limitadas e limitativas em termos de política. E, para continuar a ter alguma viabilidade, Portugal precisa, agora talvez mais do que nunca, de política. Precisa, desde logo, para salvaguardar o maior activo, aquele que mais nos diferencia dos gregos, e que se chama PS. Embora reiterando a sua determinação em cumprir o que foi assinado, Seguro começa a dar sinais de alguma distanciação quanto à interpretação do acordado. É um jogo perigoso para o qual será tanto mais empurrado quanto mais as decisões do Governo facilitarem a vida, e a consequente radicalização, dos sectores à esquerda do PS.

Cumprir, custe o que custar, por mais bem-intencionado que seja, é o simétrico dos slogans imobilistas da esquerda radical e das suas correias de transmissão sindicais.

A verdade é que cumprir não pode ser a qualquer custo. Há um patamar abaixo do qual mais vale não cumprir. Estamos longe de o atingir. Seria uma tragédia. Estamos a falar de economia. No abstracto. Antes, há as pessoas. Como dizia o "Financial Times", há um limite para o que se consegue aguentar e esse limite baixa quando nos sentimos ignorados. São precisas explicações. E sinais. Dada a omnipresença do Estado na vida dos portugueses, é na interacção com ele que alguns sinais positivos podem ser dados. Há pequenas alterações que podem fazer a diferença. Vejamos o caso das bolsas sociais no Ensino Superior. Houve alterações no regulamento que as terão tornado mais dependentes do aproveitamento escolar. Não é esse o problema, bem pelo contrário, mas os tempos de decisão. Suponha que tem um filho candidato ao Ensino Superior. Não vive numa cidade universitária e não sabe se terá condições para suportar a respectiva despesa. Precisa da bolsa. Mesmo que o seu filho consiga a entrada só saberá se terá uma bolsa social dois ou três meses depois. Não faz sentido! O mesmo sucede, num outro plano, com as bolsas de doutoramento, cujos resultados são anunciados já depois dos candidatos terem decidido se começam, ou não, o respectivo curso. No caso das bolsas sociais para candidatos ao primeiro ano, poder-se--ia abrir o concurso por esta altura do ano ou, no mínimo, divulgar a métrica de decisão de modo a que as famílias pudessem ter uma ideia de qual viria a ser o resultado final e, assim, evitar decisões que excluem os mais desfavorecidos de um instrumento crítico para a ascensão social. Além disso, num governo tão empenhado na liberalização da economia, não se compreende que este apoio não seja generalizado aos outros sectores do ensino.

Para melhorar não apenas na sua relação com o cidadão, mas para prestar um serviço melhor e mais eficiente, o Estado deve preservar e dotar-se de pessoas competentes. Reformar o Estado também é isso. Cortar a eito pode ajudar na contabilidade mas não é política. A prazo, paga-se caro. Na administração pública, uma parte do dano estará feito. Tal como nas empresas públicas que não estejam sujeitas a concorrência, seja lá isso o que for. Nas outras, ainda se pode pagar um salário competitivo, que permita atrair gestores competentes. É uma decisão obtusa que esquece que, para além do mercado do produto, há um mercado para os gestores. E esquece, ainda, que foram muitas dessas empresas ditas sem concorrência que acumularam as dívidas que limitam o crédito para o resto da economia.

Servir bem exige dedicação e competência. E reconhecimento. Feitos os cortes mais drásticos, há que investir na definição de uma política remuneratória para a Função Pública que recompense a diferença. Não é fácil, mas sai barato. A gestão orçamental tem de ir para além da álgebra, tem de ser, e ter, política.

albertocastro.jn@gmail.com

 




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