terça-feira, 23 de novembro de 2010

Posição Pública da Associação Comercial do Porto sobre os portos nacionais

O Governo Português está a estudar a reestruturação do sector portuário através da criação de uma empresa pública a quem será atribuída a gestão dos portos nacionais de forma centralizada.

Perante tal situação, a Associação Comercial do Porto produziu uma posição pública, que de seguida se transcreve, apresentada hoje, em conferência de imprensa, no Palácio da Bolsa.

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FUSÃO DOS PORTOS NUMA ÚNICA EMPRESA PÚBLICA


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A Associação Comercial do Porto, no exercício do seu dever de cidadania, intervém com alguma frequência nas questões relativas às grandes infra-estruturas de transporte, essenciais para a economia da região e do país.

O Porto de Leixões, em cuja génese e desenvolvimento a ACP tem ainda responsabilidades históricas, sempre nos mereceu particular atenção e acompanhamento tendo, mesmo, até recentemente, a ACP integrado a Comunidade Portuária do Porto de Leixões.

É, portanto, com privilegiada informação que a ACP conhece a história de sucesso que, na última década, transformou o Porto de Leixões numa grande empresa motora do desenvolvimento regional, com taxas de crescimento, produtividade e rentabilidade únicas no panorama nacional e que o colocam a par dos melhores portos europeus de média dimensão.

O Porto de Leixões, cuja área de ocupação é relativamente pequena comparativamente a, por exemplo, Lisboa, é actualmente o maior porto nacional de exportação, possui o maior terminal de contentores e é, de longe, o porto mais rentável do país surgindo, numa altura em que o mar é apontado como um dos clusters com maior potencial de desenvolvimento do país, inevitavelmente em primeira linha, com obra feita e resultados efectivos.

As razões que explicam este sucesso são muitas, mas todas têm como denominador comum o facto de localmente os vários intervenientes do sector terem resolvido os problemas que assolavam o porto, com competência e empenho, com planificação e consenso que uniu a APDL, concessionários, sindicatos e trabalhadores num projecto comum de desenvolvimento do seu porto.

Resolveram-se os problemas laborais, estabeleceu-se uma cultura de produtividade e rigor, planificaram-se os investimentos com exaustiva ponderação e análise, contando com o envolvimento e a participação de toda a Comunidade Portuária.

No inicio dos anos 90, o Estado finalmente reconheceu que, a concessão ao sector privado das actividades comerciais dos portos, resultaria em ganhos de produtividade e rentabilidade, tal como vinha sucedendo há décadas nos portos do norte da Europa. Esse processo foi iniciado com o Porto de Leixões, justamente por ser o único que estava verdadeiramente preparado para o fazer.

Passados mais de 15 anos, a sua “performance” demonstra-o, superando as melhores expectativas.

Na generalidade do sector portuário nacional já não se passou assim. Por motivações políticas, pressa enciumada de Leixões ou mera incompetência, as concessões dos outros portos foram contratadas sem o cuidado de resolver antecipadamente tudo o que estava mal e, em consequência, formatadas com políticas de tarifários e rendas muito diferentes, à medida das realidades e vícios de cada porto, não mexendo com o status quo envolvente. Pouco se podia esperar desta abordagem. Nada de muito bom aconteceu.

Em Lisboa, sem os principais problemas de mão-de-obra resolvidos (o que, só por si, agrava a factura portuária em mais de 30%) e uma conflituosidade latente entre parceiros sociais, a própria cidade e a APL, tiveram de optar por rendas e tarifas menos elevadas e, até, com inexplicáveis disparidades entre cada concessão. O desvio de cargas pertencentes ao seu hinterland natural para o Porto de Sines, só veio agravar a sua já difícil situação.

Este quadro sombrio repete-se em quase todos os outros portos.

Aveiro acumula nos últimos 10 anos quase 14 milhões de euros de sistemáticos resultados operacionais negativos e Sines é um verdadeiro escândalo nacional condicionado por um acordo catastrófico com o Porto de Singapura. O Terminal XXI é praticamente sustentado por um único cliente, que paga as taxas e tarifários mais baixos do país e, mesmo assim, através da movimentação de contentores transportados de e para Lisboa pela CP, com preços inferiores ao mercado. Fez-se tábua rasa da razão da sua construção, que defendia que Sines seria uma placa giratória e um porto de “transhipment” - a “Singapura da Europa” - já que o número de contentores movimentados, que a sua Administração tanto publicita, são todos originários de comércio local da região de Lisboa, desviados do seu porto natural. Tudo em benefício de um único armador estrangeiro, que paga muito menores custos, enquanto o Estado suporta os encargos do enorme investimento que ali fez e cujos resultados não passam de um sonho à espera de um milagre.

Os portos pequenos caracterizam-se por idêntica lista de resultados negativos, em resultado de investimentos improdutivos em portos que, quando muito, servem apenas pequeníssimos nichos de mercado. Viana do Castelo, por exemplo, é um desses “activos tóxicos” irremediavelmente perdidos, que o Estado entendeu por bem entregar à tutela protectora (e financiadora) da APDL, ou seja, do Porto de Leixões.

O Porto de Leixões é um oásis de rentabilidade, ou melhor, de racionalidade económica, neste mapa. Os concessionários pagam as rendas mais elevadas e as cargas são mais oneradas não por menos eficiência mas por ser esse o resultado de uma exploração assente nos sãos princípios da economia. Aliás, o seu modelo de concessões tem sido apontado como um dos raros casos de sucesso da Parcerias Público Privadas.

Por isso e para isso, foi preciso reduzir custos e encargos, foi preciso aumentar a produtividade. Elevou-se o grau de exigência em geral, a APDL tornou-se mais contida nos seus gastos e, das suas receitas excedentárias, uma parte importante passou a ser reinvestida no desenvolvimento do porto.

E, mesmo com o accionista Estado a retirar anualmente substanciais dividendos, que já superaram 50% dos resultados líquidos, a obra feita está à vista de todos:
- o sistema de ajuda à navegação VTS, que foi pioneiro no país;
- as acessibilidades, a Via de Cintura Interna do Porto, a obra notável que é a VILP, que retira, por uma via dedicada, mais de dois mil camiões por dia da malha urbana de Matosinhos;
- o Molhe Sul e o túnel que o liga às restantes docas;
- a nova portaria do porto;
- a nova ponte móvel;
- o alargamento para quatro vias do tabuleiro da A28 sobre o rio Leça;
- o aprofundamento do canal de navegação para -12 metros.

Além disso, instalou-se a Alfândega dentro do Porto, integraram-se os pilotos na APDL e mudaram-se os procedimentos e serviços. Foi criada uma janela única portúaria que permite desmaterializar a informação.

Prossegue ainda a instalação da Plataforma Logística e o grande empreendimento que é a nova Estação Marítima, em fase de construção, que albergará, também, um centro da Universidade do Porto.

A APDL apostou também no sector da formação, o que é um caso único entre os portos portugueses, que se alargou além fronteiras.

Parafraseando a Comunidade Portuária de Leixões, “a reorganização física e administrativa que o Porto de Leixões sofreu nos últimos anos torna-o hoje irreconhecível para quem o visita, verificando um desenvolvimento sem precedentes… tudo subordinado a rigorosa planificação e ponderação, que está agora patente no Plano Estratégico de Desenvolvimento do Porto de Leixões, e que revelam um clima de eficiência e modernidade de que muito justamente se orgulha porque é fruto de um trabalho conjunto da APDL e dos restantes membros da Comunidade deste porto”.

Naturalmente, o sucesso de Leixões não deixa de gerar cobiça.

Quando, em 2004, o Ministério das Obras Públicas, com base num duvidoso estudo de um obscuro consultor espanhol, começou a falar do projecto de uma “holding dos portos” que integraria todos os portos nacionais, entregando a gestão de cada um a um director dependente de uma sede em Lisboa, a resposta da Comunidade de Leixões foi de total rejeição, manifestando a sua indignação pelo objectivo subjacente: retirar a autonomia da sua gestão e na utilização dos meios que liberta, possibilitando mais facilmente ao Estado retirar as receitas para tapar deficits ou, no mínimo, a falta de rentabilidade de outros Portos.

Em Novembro de 2004, a Associação Comercial do Porto tomou uma posição pública, manifestando a sua discordância com o projecto da holding e apelando ao Governo, para que “não deixe de avaliar estruturalmente, as nefastas consequências que podem advir da importação de modelos baseados em falsas sinergias, e às forças vivas da região para que não permitam a secundarização estratégica do Porto de Leixões, que só acentuará as já patentes assimetrias regionais que tanto nos afligem”.

O fim prematuro do Governo PSD/CDS acarretaria o fim desta ideia de constituir uma Holding dos Portos. Contudo, a actual contestação pública e generalizada às PPP’s e Institutos Públicos cria um clima favorável a medidas que parecem significar redução de custos e a racionalização de organismos do Estado. Deste modo, sabe-se que está nas intenções do Governo retomar o projecto, só que substancialmente piorado: de “holding” de portos passa a conjecturar-se uma fusão de todos os portos numa empresa única.

Infelizmente, o Governo procura, desta forma, esconder o problema real que resulta da falta de competitividade dos outros portos e da sua insustentabilidade. Não havia em 2004, e continua a não haver hoje, a menor intenção de alterar o estado de coisas. Os repetidos alertas sobre as insuficiências do sistema portuário nacional nunca fizeram os Governos ou a Administração Pública intervir em cada um dos outros portos de forma a melhorar a sua performance. E já nessa altura a ACP afirmava que bastava copiar Leixões!

Pelo contrário, continua a apostar-se numa “fuga para a frente”, esperando que em cada porto os problemas se resolvam por si, como recentemente vem sucedendo com Sines que passou de Singapura para a China nos seus suspiros por um novo milagre. A aposta permanece na cosmética organizativa e no mesmo objectivo: branquear os maus resultados do sector portuário na sua globalidade, desviando as receitas de Leixões para compensar a falta de dividendos de quase todos os restantes.

Passados cinco anos a resposta da Comunidade Portuária de Leixões não podia ser mais actual:
“Conhecedores da situação económico- financeira dos portos portugueses, não ignoramos que em alguns, a situação (que não a de Leixões) é péssima e que urge fazer algo. Desde logo as sucessivas tutelas (e o IPTM para os portos pequenos), não podem eximir-se da responsabilidade que lhes cabe na situação a que se chegou, ao demitir-se do exercício das necessárias funções de tutela. Há muitos anos que no sector vêm sendo denunciadas a discrepância dos critérios de financiamento dos diferentes portos, quer através de rendas, taxas e tarifas de inexplicável disparidade entre portos nacionais, quer de investimentos feitos em infra-estruturas e meios operacionais, que o mercado não justifica e portanto sem retorno económico-financeiro. Isto, para além das situações de clara e evidente má gestão, de muitas administrações e direcções constituídas por gente que demonstra um confrangedor desconhecimento deste sector, seleccionados por critérios que no mínimo não se compreendem.

E reconhece-se portanto a necessidade de que a tutela tenha apoio técnico na coordenação e harmonização do sistema portuário, para definir uma politica com critérios de equilíbrio no que concerne às rendas, taxas e tarifas a cobrar, quanto ao financiamento dos portos e para avaliar a capacidade e racionalidade dos investimentos em cada um, através de uma correcta planificação.

O que já não é concebível para esta Comunidade é que a administração do Porto de Leixões possa passar a ser exercida por um órgão de cúpula situado em Lisboa. Um porto como o de Leixões é uma grande empresa e motor essencial do desenvolvimento regional, que, como qualquer outra, tem necessariamente de ser gerida no local e com a autonomia exigível para a prossecução dos seus interesses próprios, que são incompatíveis com uma gestão heterogénea alargada a todos os portos. Será impossível impedir a diluição da excelência que sempre procuramos, apanágio do espírito de empresa e de mercado que hoje caracteriza este porto, com a inevitável mediocridade média que resultará da junção de todos os portos numa única empresa e sobretudo, numa única gestão à distância.

O sistema é aliás inédito no mundo, onde o figurino adoptado é justamente considerar cada porto uma unidade de negócio, que deve ser gerido com autonomia por profissionais competentes e em harmonia com as respectivas comunidades portuárias. Sempre tomamos por modelo os portos mais eficazes do norte da Europa, Roterdão ou Antuérpia, e a regra, inclusive em Espanha, é cada porto ter a sua gestão própria, não obstante prosseguirem politicas e critérios definidos superiormente.

Não se compreende, aliás, que não seja directamente a Secretaria de Estado a assumir as responsabilidades de planeamento e coordenação que lhe competem, optando por um modelo político de gestão orientado agora por um critério de centralização burocrática que ofende frontalmente as proclamadas e aplaudíveis tendências de descentralização.

Confundir erros e omissões de definição política, má gestão e mau planeamento com deficiências formais do sistema, e por isso mudá-lo, em nada vai alterar o estado de coisas. Pelo contrário, o projecto da “holding “ para os portos portugueses, tal como o conhecemos, estamos convictos que constituirá um profundo retrocesso, pelo que terá a veemente oposição desta Comunidade”.

Por tudo isto, a Direcção da Associação Comercial do Porto deliberou tomar uma posição pública, no sentido de alertar o Governo e, também, todas as forças vivas da região, para o risco que representa esta nova e perversa ideia de fundir todos os portos numa única empresa.

Não há um vislumbre da menor justificação técnica ou económica que a sustente. Pelo contrário é aquilo que parece: um plano para retirar toda a autonomia ao maior porto de exportação nacional, para desviar os seus recursos e cobrir deficits de portos mal geridos e mal tutelados que, ainda por cima, se dedicam maioritariamente à importação.

O Porto de Leixões foi construído à custa das trocas comerciais da região, há 125 anos. A sua autonomia não foi conquistada, ou cedida, pelo poder central. Faz parte da sua génese e da sua história.

Por outro lado, é pago e sustentado pela economia da Região Norte, representando uma das suas infra-estruturas mais relevantes e determinantes para as suas exportações.

Por tudo isso, a ideia de transferir para Lisboa a sua gestão e recursos, diluindo o Porto de Leixões na mediocridade de que agora é excepção, é um acto centralista e irresponsável e, por isso, intolerável para a Associação Comercial do Porto.


Porto e Associação Comercial,
em 23 de Novembro de 2010

2 comentários:

A.Küttner disse...

Como é evidente a posição da ACP e do seu Presidente Dr. Rui Moreira, é a única defensável e exequível, não só a bem do Norte, como do Porto, como do país.

A.Küttner

Vasquez da Gama disse...

Realmente é uma pena que tão bem escrita mensagem só tenha 2 comentários!
E com tanta escrita por aí...