Queria-lhe agradecer por ter aceitado o convite da Associação Comercial do Porto para aqui estar hoje. Naturalmente, os sócios desta casa, e os nossos convidados estão interessados em ouvi-lo e, por isso, tentarei ser breve. Mas, não podia deixar de aproveitar a sua presença para lhe dar conta de algumas das nossas maiores inquietações, num momento grave para o país em que, sem exagero, se pode dizer que estamos confrontados com uma crise que afecta a nossa subsistência enquanto nação soberana.
Por isso mesmo, porque a crise existe e não podia já ser mascarada com operações de maquilhagem, compreendemos que o PSD tenha apoiado algumas das medidas urgentes que o governo português foi forçado a tomar, há algumas semanas. Melhor teria sido, é claro, que a iniciativa tivesse partido do governo. Em vez disso, ao teimar numa política irrealista, Portugal sucumbiu a um ultimato e viu-se obrigado a ajoelhar perante as exigências dos mercados e dos nossos parceiros.
Nessa circunstância, meu caro Pedro Passos Coelho, o seu sentido de Estado só pode ser louvado, ainda que se tenha compreendido que o remédio adoptado, e que o PSD viabilizou para conter essa emergência, não foi aquele que preconizava.
Infelizmente, é pouco provável que essas medidas resultem numa solução durável. E, nos últimos dias, o Governo vai dando sinais que, depois de contar com esse apoio patriótico do PSD, se volta novamente para a esquerda a fim de encontrar apoios para persistir nas políticas que foram, pelo menos em parte, responsáveis pela actual situação das contas públicas e, pior do que isso, pelos problemas estruturais da economia.
De facto, pode-se dizer que o Governo apenas adiou algumas das suas obras faraónicas porque não tinha condições para as financiar, e é inegável também que pouco ou nada pretende fazer para reduzir a despesa pública primária, tendo optado onerar os contribuintes com sucessivos aumentos da carga fiscal. Estamos perante um pacote recessivo, administrado a conta-gotas, em que será o sector privado da economia a pagar a factura, o que é manifestamente injusto e é, também, contrário ao desígnio sempre anunciado e nunca realizado de promover o crescimento económico.
Ora, sem esse crescimento económico, cujos ténues sinais serão certamente abafados por estas medidas, os problemas das empresas vão-se agravar e, se assim for haverá mais desemprego, mais falências e menos receita fiscal. E, se olharmos ao actual clima que se vive na Europa e em particular na zona Euro, é provável que estejamos em vésperas de novas imposições.
Acresce, meu caro Pedro Passos Coelho, que este sacrifício, que é injusto pela razão que expus - porque onera principalmente as empresas e todos aqueles que dependem da economia privada, ou seja, aqueles que criam a riqueza nacional - comporta ainda uma profunda desigualdade.
Estou a falar, naturalmente, da discriminação regional que está presente em todas as opções do Governo no que diz respeito às obras públicas, em que o Norte em particular é muito prejudicado, o que é paradoxal e inaceitável na medida em que tem sido a região do país mais fustigada pela crise estrutural e pelos problemas conjunturais.
Mas, é bom que se diga que não é apenas nas obras públicas, na sua localização e no seu financiamento, que o Norte é mais prejudicado.
Não é apenas na concentração de obras públicas a sul, que serão viabilizadas através dos recursos que deveriam ser alocados a norte ou que deveriam estar disponíveis para as empresas;
Não é apenas nas SCUT, em que a Norte se aplica o princípio do utilizador pagador e a sul se aplica o princípio do utilizador não pagador;
O mesmo acontece com o QREN, que nos vai sendo roubado através de políticas de cariz neocolonial;
O mesmo acontece com as anunciadas políticas de privatização, em particular da ANA, em que as nossas infraestruturas estão condenadas ao papel de mero enxoval;
O mesmo acontece com as políticas de promoção turística, em que se privilegiam outras regiões e se esquece o Norte;
O mesmo acontece com o centralismo, e com a absurda concentração em Lisboa de todos os serviços relevantes do Estado, como foi o caso recente com a AICEP;
O mesmo acontece com os PIN, que por milagre se concentram todos a sul do Mondego;
O mesmo acontece com as políticas energéticas, em que o país beneficia das barragens mas não paga os seus custos ambientais nem devolve às populações locais qualquer vantagem;
O mesmo acontece com as políticas fiscais e com as políticas laborais, que prejudicam e reduzem a competitividade das empresas que produzem bens e serviços transaccionáveis;
O mesmo acontece, até, com as políticas sociais, onde se reduzem os apoios aos desempregados que estão, como se sabe, em maior número a Norte;
Senhor Doutor Pedro Passos Coelho,
Estamos hoje no Salão Árabe, no Palácio da Bolsa, sede da Associação Comercial do Porto. Aqui, entre estas paredes, falamos à vontade, porque não dependemos de subsídios e nem de traficâncias. Aqui, minhas senhoras e meus senhores, não há medo de dizer a verdade.
Por isso, e a bem da verdade, lanço um aviso deste púlpito:
Vive-se no Norte, um ambiente extremamente depressivo. Todos o sabemos, e compreendemos as razões. Por isso, estamos disponíveis para continuar a fazer sacrifícios, a bem de Portugal.
Contudo, engana-se quem subvaloriza esta situação, e ilude-se quem acredita que tudo iremos aceitar com conformismo e resignação. Há hoje um sentimento latente de injustiça, face ao sobrepeso do Estado que se concentra em Lisboa e aniquila as nossas empresas, e um sentimento inequívoco de revolta contra a duplicidade dos políticos, principalmente daqueles que esquecem o interesse dos seus eleitores. Engana-se quem pensa que o Norte vai continuar a pagar a factura da farmácia, se os remédios forem meros paliativos que, por norma, são todos utilizados para benefício da capital.
É, por isso, porque há uma situação de desigualdade gritante e um sentimento de revolta que é preciso contrariar, que aqui faço um apelo para que se tomem medidas urgentes para contrariar essa situação. Por isso, Senhor Doutor Pedro Passos Coelho, compreenderá que aproveite esta sua visita para exortar o PSD a não esquecer esta questão, e a não pactuar com nenhumas políticas do Governo que acentuem, ou não atenuem, estes desequilíbrios e estas injustiças. Não haverá coesão nacional nem uma comunhão de vontades para sobreviver à tormenta e ultrapassar a crise, sem coesão social e coesão territorial.
Muito mais teria para lhe dizer, Senhor Doutor Pedro Passos Coelho, mas é tempo de o ouvirmos, agora.
Muito obrigado.
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